
UM ACERTO DE CONTAS COM A HISTÓRIA
Wescley Rodrigues com Antonio Vilela
No último dia 12 de junho, na cidade de Mossoró " RN, durante o XIV Fórum do Cangaço, foi lançado o livro: "A outra face do cangaço: vida e morte de um praça", escrito pelo pernambucano de Garanhuns, Antonio Vilela de Souza, um entusiasta dos estudos do cangaço e perseguidor dos relatos pertinentes a essa temática.
A obra versa sobre a vida do soldado da Força Volante alagoana, Adrião Pedro de Souza, nascido em 1 de março de 1915 e falecido no dia 28 de julho de 1938, na Grota do Angico. Adrião foi o único soldado morto por ocasião do ataque que resultou no extermínio do cangaceiro Lampião, sua companheira Maria Bonita e mais nove cangaceiros.
A princípio parece ser mais um livro sobre o cangaço, mas é interessante perguntarmos: "Qual o diferencial da obra?". Vilela trouxe a tona à história desse soldado que simplesmente, por longos anos, foi esquecido por aqueles que contaram a história do cangaço. Fica a questão: "Mas por que isso aconteceu, haja vista a história ser quase sempre contada pela ótica dos vencedores?". Aí está o ponto crucial do trabalho de Vilela. Partindo dessa interrogação pulsante, do por que do total extermínio do nome de Adrião dos "anais oficiais da história do cangaço", ele levanta conjecturas e hipóteses interessantes e por vezes polêmicas. Mexe com feridas até hoje problemáticas quando se fala em cangaço.
No bojo da obra o autor retoma a questão da amizade de João Bezerra, comandante da força de extermínio de 1938, e Lampião; trazendo depoimentos os quais corroboram na apresentação de João Bezerra como um "coiteiro" de Lampião e fornecedor afinco de
munição. Para boa parte das afirmativas da sua obra Vilela baseou-se nos depoimentos dos ex-volantes Sargento Elias Marques e o Sargento Antonio Vieira.
O bombástico do trabalho gira em torno da questão de ter sido Adrião morto pelo tenente João Bezerra, o qual tinha uma divergência com o soldado por compartilharem o desejo pela mesma mulher, Maria Lyra. Além do mais, no depoimento do Sargento Elias Marques, ele afirmou ter ocorrido um desentendimento entre Adrião e Bezerra, devido o primeiro ter levantado suspeitas da amizade entre Bezerra e Lampião.
A obra de Vilela tem muitas minúcias que merecem maior questionamentos, uma maior reflexão, sendo um livro que serve de trampolim para um enveredar mais consistente nas questões propostas pelo autor. Tendo a obra um caráter narrativo biográfico, Vilela leva-nos a refletir, mediante a apresentação de sua documentação, se teria sido realmente João Bezerra o responsável pelo assassinato de Adrião. Fica a questão...
O livro é ousado. Uma crítica que levanto é a questão da perseguição do autor em tentar apresentar Adrião como um herói e os cangaceiros como bandidos. Acredito não ser esse o caminho. Adrião morreu cumprindo o seu trabalho, no entanto, isso não o qualificaria como herói no último patamar. Evidente ter sido o soldado injustiçado pela história, principalmente por João Bezerra que colocou em Angico uma cruz homenageando os cangaceiros mortos, mas esqueceu do seu colega de armas.
Tirando essa exacerbação da heroicidade de Adrião, fica a título de sugestão para a próxima edição, um maior aprofundamento sobre a relação de João Bezerra e Adrião e o primeiro e Lampião. Isso seria uma grande contribuição para os estudos do cangaço.
Como conclui o autor: "O bravo soldado Adrião Pedro de Souza, teve duas mortes: a do fogo amigo " morto por um companheiro de farda; e a do esquecimento " pelo injustificável [...] esquecimento histórico" (SOUZA, 2012, p. 58).
O revisitar a história, por vezes, nos permite se redimir com esta, fazendo justiça aos silêncios, lacunas e esquecidos do tempo. Os novos olhares sobre Angico vêm como luzes profícuas e elucidações de um capítulo conturbado e mal entendido dos estudos do cangaço. Parabéns a Vilela, pela determinação e coragem.
Prof. Ms. Wescley Rodrigues
Sócio da SBEC
Sousa " PB
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